quarta-feira, março 03, 2010

poder conseguir ler estórias
Maria começa a trabalhar como doméstica numa casa senhorial. A dona da casa deixa-lhe um bilhete que Maria não consegue decifrar, desta forma faz o que entende ser necessário. No dia seguinte a dona da casa, espera por Maria e rapidamente a descompõe porque não fez nada daquilo que lhe tinha pedido, indo embora logo de seguida pois já estava muito atrasada. Maria encontra-se novamente com um novo bilhete que não é capaz de ler, chama o filho da senhora para a ajudar. É neste momento que percebe que não pode continuar analfabeta, então decide roubar os livros da criança ao fim da tarde antes de se ir embora e devolver logo de manhãzinha antes de o ir levar à escola. No caminho para casa vai atenta aos exercícios dos ditongos acompanhando a aprendizagem com a cassete suplementar. Pratica também nas matriculas e nas informações escritas ao longo do percurso para casa.(Mas, um dia o miúdo apanha-a a roubar-lhe os livros e ela vê se obrigada a confessar-lhe os seus planos.)Finalmente Maria concretiza o seu maior desejo escreve a sua carta de demissão e já não tem de ser empregada doméstica (pois arranjou um novo trabalho como recepcionista.)

quarta-feira, fevereiro 24, 2010

Festival de Histórias

II - Quando as histórias não são histórias

A seus olhos o Chiado é a mais bonita zona de Lisboa, logo, que não fará sentido tê-lo conhecido noutro sítio, se não lá. A esplanar, como me confessou que era o desporto preferido dos franceses, e também o seu. Apresento-vos assim o Sr. Joaquim - carismática e afável pessoa, que tive o privilégio de conhecer, através de um amigo em comum, o acaso.

E como que se as pessoas contassem a vida em 10 minutos, ficámos 3 horas que passaram que nem segundos. De entre tudo o que partilhámos retive este bocadinho com especial atenção, que vos conto para que sorriam e sintam, talvez, um pouco do que eu senti.

Este meu amigo, teve um longo e complicado historial de vida, encontrava-se numa situação de alguma distância dos filhos, porque o destino assim o proporcionou. A humilde casa que um dia comprou por ser a maravilhosa casa, maravilhosamente perto da casa da sua maravilhosa ex-mulher e dos seus filhos; nos dias em que estes seguiram o seu caminho e compraram, por sua vez, as suas casas; tornou-se apenas numa extremamente humilde casa, extremamente perto da casa da sua ex-mulher. E os filhos foram ficando distantes e reduzidos a almoços e encontros previamente combinados, como é este exemplo que vos quero contar.

O meu amigo, custasse o que custasse, tinha um encontro marcado com o filho no estádio de Alvalade sempre que o Sporting lá jogava. Pois como sabemos, lugares cativos são difíceis de manter em tempos de crise, mas ele fazia o seu esforço, porque em todos os jogos do Sporting, e principalmente naqueles em que o Sporting marcava todas as quotas que pagava eram extremamente recompensadas, por aquele abraço. Aquele abraço que sempre que havia jogo ansiava, aquele abraço por que toda a vida ansiava, o abraço sentido do seu filho, que o apertava com força como quem não quer mais largar.

Aquele abraço - dizia-me ele transbordando de felicidade e emoção só de recordar.

Festival de Estórias
I - Heróis que passam despercebidos
O Sr. Chaves é revisor no combóio 522 que parte às 10 para as sete, de Lisboa para o Algarve. Já o faz há 20 anos, mas naquele fim de tarde a história iria ser outra.
Já passava da hora de jantar, as hospedeiras da 1ª classe já tinham recolhido todos os tabuleiros, quando o senhor do lugar 47 da carruagem 20 cai no chão inanimado. O pânico instala-se na carruagem, a mulher apressa-se a chamar o revisor que acciona o alarme de chamada de médicos ou enfermeiros que viajassem no combóio. Ninguém apareceu. Além dos curiosos, claro. Mas médicos nada. As pessoas não sabiam o que fazer, as pergunta "o que se passou?" propagava-se por todo o combóio. O Sr. Chaves, já tendo frequentado um curso de primeiros socorros, sabe que não há mais nada a fazer se não entrar em acção. Verifica novamente o pulso ao senhor, em vão e inicia a respiração boca a boca e a massagem cardíaca. Nem queria acreditar quando o homem volta a si, estava em êxtase assim como toda a carruagem. Era óbvio que aquele homem precisava urgentemente de ir ao hospital ainda assim, mas o pior já tinha passado.
Passadas umas horas, o combóio chega finalmente a Faro, só que com um atraso de 30 minutos, que faz com que qualquer hipótese de apanhar um combóio de ligação dos regionais que percorrem o Algarve, se torne impossível. A multidão dos curiosos e especulativos transforma-se agora numa multidão revoltada que atropela o Sr. Chaves com reclamações e exigência de transportes de recurso. E assim, o Sr. Chaves envia o senhor ainda convalescente de táxi para o hospital mais próximo e as restantes pessoas são distribuídas entre táxis para os seus destinos e hóteis.
Está aberto o festival de Estórias!

Estória
s. f.
  1. Narrativa de ficção. = História
  2. Conto, novela, fábula.
  3. Exposição romanceada de factos e episódios, distinta da história, baseada em documentos.

É ainda de sublinhar que as histórias a concurso não se encontram todas no mesmo estado de escrita, mas não se deixem enganar, preencham pequenas lacunas com a vossa imaginação, e votem na que oferece maior potencial.

E resta apenas dizer: Que ganhe a melhor estória!

Escusado será dizer que é possível votar do lado esquerdo superior da página e que as histórias serão adicionadas aos poucos, por isso não percam logo a cabeça nas primeiras histórias (se bem que têm mais do que um voto).

sábado, novembro 14, 2009

Quando as histórias ainda não são histórias

Ele roubou um autocarro da Carris.

sexta-feira, julho 24, 2009

Quando as histórias não são histórias

Como todas as memórias, esta é turva e pouco focada, numa paleta de baixo contraste em escala do branco ao preto passando por uma infinidade de cinzentos.Eram assim as fotografias das férias, tiradas pacientemente pelo pai Mateus. São assim também as minhas memórias.
O mar era agitado e a espuma branca e brilhante. O areal comprido, embora não profundo era batido e abatidos pelas ondas que criavam um foço de protecção.Lembro-me que tinha medo, muito medo. A Mariana não. A mãe ficava sempre na toalha. A Mariana ia sempre para a água, mas não ia sozinha, não podia, era pequena. Ia com o pai que era forte e a levantava sempre que vinha uma onda para que não engolisse pirolitos; depois, lá ao fundo, brincavam.
A mãe ficava na toalha, a Inês esperava à borda da água, olhava e contava as ondas que levemente a puxavam para a água. Ela resistia. Elas insistiam. Ela resistia. Elas insistiam. Ela fugia, tinha medo.
Sorridentes, o pai e a Mariana voltavam da água. Era a minha vez, o pai chamava-me. Dava-me a mão e quando as ondas eram maiores pegava-me ao colo, e assim me levava para longe daquelas ondas com aquelas garras brancas e brilhantes super afiadas.Depois da rebentação, aos poucos, o medo passava, não tinha pé, não tinha medo. Ali as ondas não eram más, eram boas e divertidas; não assustavam, apenas iam e vinhas e nós íamos e vínhamos com elas, abraçados.

Agora não sei se o medo que tinha se devia ao mar e à sua imponência ou a ele e ao seu estranho e resumido carinho. Hoje sobram apenas as saudades desse protector abraço e da segurança que me trazia.

sábado, maio 23, 2009

Abri um livro e escolhi uma palavra ao acaso. A palavra que calhou foi hora. Não sei bem como o fazer, mas decidi que usaria essa palavra para escrever uma história. Aqui vai a minha tentativa.

São 19:28, o sujeito, que já nem a nome tem direito, percorre cabisbaixo um corredor frio e sombrio. Anda devagar e arrasta os pés como se a planta dos seus pés descalços beijasse, pela última vez, o chão gelado. Os seus passos são pequenos travados pela pequena corrente de ferro que os une. As suas pernas magras tentam a todo o custo não tremer, os seus joelhos são bambos e o medo corre-lhe nas veias. O medo da morte.

A seu lado vão 3 seguranças fardados, perderam a identidade e a alma, venderam-na ao diabo. Na sua face paira grande indiferença, os seus olhos são cinzentos como as pedras e seus peitos vazios. São máquinas que apenas executam tarefas.
Prosseguem os três, passo a passo. O silêncio é apenas cortado pelo roçar das correntes.

Noutra sala estão 11 indivíduos. O presidente da prisão. O juiz do tribunal. O carniceiro. 3 Jornalistas. O padre. A todos estes também lhes foi corroída a identidade, apresentam-se apenas como meros sujeitos que executam funções, sem emoções. Mas ainda só vimos 6 pessoas, as outras quadro têm o coração quente mas apertado, têm o dom de sentir e o fardo de sofrer. Eles são Maria e José, pais da vítima. E Maria e José, pais do réu.

Maria e José, pais da vítima estão na primeira fila. Embora lhes doa o coração, sentem um grande alívio e principalmente sentem o filho vingado. Sentem alívio. Maria, mais conturbada que José, aperta as mãos suadas uma contra a outra, segurando um terço em tom de agradecimento. José, com olheiras visivelmente marcadas, está sério. A sua cara não mostra a divisão ética em que o seu coração se encontra. Parece calmo e, finalmente, tranquilo.

Maria e José, pais do réu estão na última fila. Contra a vontade do filho vieram à sua execução, num misto de tristeza, desilusão, raiva e tantos outros sentimentos que nem eles sabem definir, olham fixamente para a forca imponente que ocupa o centro da sala. Maria choraminga numa reza murmurada. José, tão sério como o seu homónimo, tem no olhar o vazio de ver um filho morrer e no coração a dor que mata também os pais.

A porta, extremamente pesada abre-se, o réu, acompanhado pelos três guardas, entra. Todos os seis indivíduos sem identidade fitam o culpado sem medo e até com um olhar pervertido. José, seu pai, olha o filho já com saudade. Maria, sua mãe, aperta o lenço com o qual enxuga as lágrimas com força e olha-o também. Embora a tristeza de ver o filho preso lhe doa no seu coração frágil de mãe, acompanha com o olhar o seu filho nesta dura hora. Ambos os pais da vítima, olham o réu com a frieza e a dor da lembrança.

O sujeito acorrentado, apenas levanta a cabeça para olhar a imponente forca. Seus joelhos fraqueijam e tremem ainda mais. O seu corpo torna-se ainda mais pesado e vai travando um luta inglória contra o seu próprio destino.


O juiz lê a sentença. O presidente da prisão diz para acta a hora da execução. Os jornalistas gravam. O carniceiro espera pelo sinal. O padre reza. A mão chora. O pai tenta não chorar. Os pais da vítima fitam o réu. O presidente da prisão faz sinal ao carniceiro. O carniceiro tira puxa a alavanca.

O sujeito chorava. O sujeito não quis dizer nada. 20:00 Hora da execução. 20:03 Hora da morte.

domingo, maio 10, 2009

Hoje quero escrever.
Já reparaste que, vistas da ponte, as casinhas parecem pequenas maquetas? E que ao meio dia os candeeiros da auto-estrada se tornam pirilampos agarrados aos chão, porque as suas cabecinhas reflectem brilhantemente os ofuscantes raios de sol? Que existem montes pintados a carvão. Que fortalezas de prédios espreitam todos os dias escarpas de pequenas e amontoadas casas do outro lado da encosta? Já reparaste nas danças dos carris dos comboios? E nos palácios tropicais escondidos por Lisboa? Já reparaste que o Sol gira à tua volta, à minha volta e à nossa volta? Já reparaste; a concertina, o violino, o xilofone e o piano ainda não pararam de tocar.

terça-feira, abril 21, 2009

Embora não queira estar sempre a citar outros, a esta não resisto. Um dia tento, um dia tento voltar a escrever.

""Ah, estou a ver!", retorquiu a duquesa, sentindo-se bastante aliviada; "suponho que ele lê a sorte na mão?"
"E revela igualmente os infortúnios!", responde Lady Windermere, "qualquer um! No próximo ano, por exemplo, vou estar exposta a grandes perigos, tanto em terra como no mar, pelo que irei viver num balão e todas as noites içarei o meu jantar no cesto. Tudo se encontra inscrito no meu dedo mindinho, ou na palma da minha mão, já não me recordo bem em qual de ambos.""

O Crime de Lorde Arthur Savile, OSCAR WILDE